O populismo dominou o debate político nas ciências sociais latino-americanas a partir de meados dos anos 50 até pelo menos o final da década de 70 do século passado. Inicialmente vinculado à teoria da modernização dos países periféricos, também foi usado na sociologia política e na historiografia nacional como conceito-chave para explicar os dilemas da política brasileira no período que vai de 1930 a 1964. O fenômeno populista traduziria a fraqueza da sociedade civil e da classe trabalhadora face a um estado hipertrofiado a serviço de elites autoritárias e manipuladoras; ou poderia ainda, alternativamente, expressar um “estado de compromisso” entre a classe trabalhadora e a burguesia no âmbito de governos nacionais populares chefiados por líderes carismáticos.
Nas últimas décadas, as interpretações dominantes resumidas acima foram sistematicamente criticadas e revistas por cientistas sociais de renome, sob inspiração de matrizes teóricas abrangentes que incorporam contribuições da história comparada, da psicanálise e da sociolinguística, entre outras, as quais conduziram a questionar a unidade e os pressupostos do conceito de populismo, problematizando o seu uso indiscriminado para analisar fenômenos políticos histórica e socialmente distintos: o que haveria de comum, por exemplo, entre um populismo agrário de intelectuais de esquerda, como o narodnismo russo do séc. XIX, e o peronismo da segunda metade do século XX, apoiado pelo operariado e as camadas médias urbanas? Entre o nacionalismo trabalhista de Getúlio e Goulart e o populismo de direita de Adhemar de Barros? Ainda faria sentido utilizar o mesmo termo para analisar fenômenos históricos distintos ou tendências políticas atuais?
Ora, o desafio teórico lançado pela questão acima é ainda mais difícil e arriscado quando se considera que à problematização do conceito de populismo no debate acadêmico corresponde uma popularização do termo na linguagem corrente, que o compreende como um estilo particular de fazer política, tratado sempre de maneira pejorativa no debate político, seja este travado na mídia, no congresso ou nas mesas de bar. Teria havido “populismo fiscal” no governo Dilma. Políticos, tanto de esquerda, como de direita fariam discursos e promoveriam medidas populistas; Hugo Chaves e Cristina Kirchner, assim como Trump e Duterte, seriam líderes populistas, ainda que de estirpes muito diversas.
O objetivo deste dossiê não é ressuscitar um debate supostamente superado sobre o(s) populismo(s) histórico(s), mas antes o de mostrar que uma noção atualizada deste conceito permanece fecunda para analisar a dinâmica política contemporânea, desde que devidamente considerados os efeitos dos múltiplos processos de desestruturação e reestruturação sociocultural induzidos pelo desenvolvimento do capitalismo informacional globalizado.
A revista Teoria e Pesquisa aguarda colaborações para este Dossiê REVISITANDO O(S) POPULISMO(S) até o dia 12 de março próximo. As propostas podem ser enviadas para os seguintes e-mails:rtp@ufscar.br ou http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.…/…/issue/current. Esse número também recebe artigos livres e resenhas.