Gláucio Soares é um gigante das ciências sociais latino-americanas. Sua obra é extremamente influente e diversa, indo do comportamento eleitoral, à teoria democrática e à segurança pública. Gláucio era um espírito aberto ao que o mundo lhe dava. Não vou me ater aqui em demasia a situar suas contribuições. São tantas e tão profundas que eu, sozinho, jamais as faria justiça. Isso é algo para nós, como comunidade, nos debruçarmos no futuro próximo e promovermos seminários e eventos para tentarmos entender o que Gláucio significa. Não será fácil.
Gláucio gostava de números, então aqui vão alguns retirados de seu Currículo Lattes: foram 134 artigos em periódicos – o primeiro, sobre comportamento eleitoral, em 1960; 11 livros publicados/organizados, sendo Sociedade e Política no Brasil de 1973 um clássico; 43 capítulos de livros; 211 textos em jornais e revistas. Gláucio sempre acreditou em uma universidade voltada para a sociedade, que interviesse no debate público. Sua produção demonstra seu engajamento intelectual incansável.
Para além dos números, Gláucio é uma referência internacional da Ciência Política. Em 1967 publicou seu primeiro artigo na American Political Science Review sobre o voto na esquerda. Em 1971, com Adam Przeworski, publicou seu segundo artigo nesse prestigioso periódico, novamente sobre comportamento eleitoral. Era, de fato, reconhecido como uma referência e sua vinculação a inúmeras instituições acadêmicas, tais como Harvard, Berkeley, MIT, Washington University, Essex, Florida, UCLA, Flacso, além de um papel de construção institucional em diversas universidades brasileiras, dentre elas a UnB, a qual pertenço, é testemunho de uma trajetória de enorme sucesso.
Mas, a verdade é que tudo isso é secundário frente à experiência de convivência com Gláucio. Ele marcou de forma inequívoca a trajetória acadêmica e de vida de tantas pessoas que é difícil estimar. O mais importante da obra de Gláucio é sua contribuição para a formação de recursos humanos no Brasil e por onde passou. Gláucio foi mentor de inúmeras gerações de cientistas sociais brasileiros, latino-americanos e nos Estados Unidos. No Brasil, em particular, formou quadros, foi fundamental no avanço de várias carreiras e assim, ajudou a construir a ciência política que temos hoje. Era um enorme incentivador de pessoas que queriam aprofundar sua formação, ampliá-la, diversificá-la e não media esforços para ajudá-las. Gostava de gente e de estimular as pessoas.
Eu conheci o Gláucio quando estava no mestrado na UnB – o ano não importa – sonhando com um doutorado nos EUA e ávido por aprender mais sobre metodologia científica. Para nós era uma honra tê-lo em sala de aula. Ele se sentava na cadeira de pernas cruzadas, short e descalço, os chinelos no chão. Seu pensamento sempre desafiador era inquietante e, devo dizer, um pouco assustador para os jovens pesquisadores…, mas sempre um estímulo para aprender mais. Saíamos das aulas de Gláucio querendo mais. Cursei algumas disciplinas com ele; busquei colaborar em seus projetos como assistente; aprendi muito. Sua carta de recomendação foi decisiva para minha aceitação no doutorado. Lembro de quando fui buscá-la em seu apartamento na Colina. Ele era meio bagunçado e demorou para achar… estava em uma pilha de papeis bem alta, típico de um trabalhador incansável – quando ainda usávamos papel. Acho que outros colegas, que tiveram a sorte de conviver com o Gláucio, podem imaginar a cena. Gláucio foi determinante para várias das minhas escolhas profissionais; ajudou a definir quem eu sou. Sou um dos que teve sorte.